domingo, 22 de janeiro de 2012

O Beijo

foto p.r.baptista ( Montevideo)

Sentado à frente de J. há algum tempo, de fato os 45 minutos que estavam juntos à mesa do café, F. procurava lhe dizer alguma coisa mas ela parecia não entender.
Talvez esta dificuldade fizesse parte da natureza humana e tudo que duas pessoas pudessem se aproximar uma da outra, fosse a distância em que se encontravam naquele momento.
A mesinha do café era pequena, suas mãos se as colocassem ao mesmo tempo sobre a mesa quase se entrelaçavam. Ocorreu até de F.  pegar da mão de J. para enfatizar algum argumento ou simplesmente para pegar sua mão delicada.
Entre eles, no entanto, havia algo que era intransponível.
F. perguntava-se se não se tratava de uma questão que dizia respeito apenas a ele .
Esta vontade ao mesmo tempo física e metafísica que tinha de invadir a intimidade psíquica de   J.  é que podia estar na raiz do que considerava uma impossibilidade filosófica.
Como dois corpos que não podem ocupar o mesmo lugar no espaço F. não tinha como pretender entrar no íntimo de outra pessoa, de J. no caso. Sua permanente vontade de extrair a lógica de tudo não ajudava em se aproximar de J.
E isto o angustiava.
Pediu outro chá e outro bolinho.
- Quer também?, perguntou a J. 
J. respondeu que não.
F. sem saber se a resposta sinalizava para uma impaciência de J. ou simplesmente resultava da intenção de não engordar, ficou mais ansioso.
Olhou o relógio, o que estava evitando até agora para não chamar a atenção sobre o tempo, e verificou que o encontro já durava uma hora.
Deu-se conta também que não iria adiante do que tinham evoluído até aquele momento e que parecia bem pouco.
Decidiu, então, abrir mão de insistir.
Qualquer tentativa em contrário seria agora suicida pois poderia por a perder o que tinha alcançado.
Recostou-se um pouco para trás na cadeira e respirou.
Era o momento em que os fumantes puxam um cigarro de algum lugar para queimar.
J.  não fumava, do contrário nem teria sido agradável ficar sentado com ela todo aquele tempo, aliás nem ficaria, mas imaginou uma cena na qual ela, numa atitude típica dos fumantes, sem ter como acender o cigarro, ficasse perguntando às pessoas pela volta: “tem fogo?”
Uma cena, antes considerada como inteiramente sociável, agora estaria totalmente deslocada  e seria quase surrealista.
Na pausa que se seguiu nenhum dos dois falou.
F. então decidiu retomar a conversa com uma pergunta bem simples:
- A que horas viajas amanhã?
- Às duas... isto é, se conseguir passagem.
J. viajava no dia seguinte para fazer uma entrevista de emprego noutra cidade.
=- Eu te levo na Rodoviária.
- Não, não é preciso, ficaria incômodo prá ti.
À esta altura F. já tinha tomado o segundo chá acompanhado do segundo bolinho.
J.  movimentou-se na cadeira para levantar-se.
- Bem, já vou indo, disse, já de pé, tenho que tomar várias providências.
F. levantou-se também e postou-se à sua frente procurando encontrar o que dizer.
- Ciao, disse J. , aproximando-se para abraçar F. ou lhe dar um beijo, mas num ato surpreendente deu-lhe um beijo na boca. Digo surpreendente porque nunca tinham se beijado assim, seus contatos eram todos formais.
- Pagas o meu chã? perguntou. Fico te devendo, acrescentou. E antes que F. respondesse qualquer coisa foi se afastando dizendo apenas
- Nos vemos.
F. ainda pôde vê-la, pela janela, contornar a esquina e desaparecer.
Permaneceu um pouco atônito sentado na mesinha procurando entender o que tinha ocorrido.
- Um outro chá! , pediu à atendente que se aproximou para acompanhar o que ocorria na mesa.
- E um outro bolinho? , perguntou.
A pergunta o trouxe de volta ao mundo.
Ohou para a moça que o atendia e pôde reparar em seus olhos fitos nos seus à espera da resposta. Até aquele momento só tinha vagamente se dado conta que ela parecia ter um corpo atraente.
- Sim, claro, respondeu sem ter como dizer outra coisa.
Tentou voltar seu pensamento para a despedida de J. mas já tinha se desconcentrado.
Quando a moça retornou para trazer o terceiro chá e o terceiro bolinho sua atenção estava toda voltada para apreciar o seu encanto.
Quase que pede um quarto chá mas decidiu que era hora de voltar.
O que intriga nesta estória é que depois daquela data só teve notícias esparsas de J.
A cidade grande traga as pessoas que literalmente desaparecem.
Pensou várias vezes em procurá-la mas acabava sempre adiando.
- Uma pena, lembrava-se F. algumas vezes,  porque nunca mais esqueceu aquele beijo. 

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